10. Introdução à Gestão em Saúde
- André Gama
- 30 de jul.
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A Gestão em Saúde é uma área relativamente recente do conhecimento se comparada com o surgimento da medicina moderna no fim do século XVIII[1] ou, mais ainda, se confrontada com instituições importantes como os hospitais, cuja existência já podia ser verificada no segundo milênio antes de Cristo[2]. Bastante contemporâneo, o primeiro programa voltado à Gestão em Saúde nos Estados Unidos foi fundado apenas em 1934, na Universidade de Chicago[3]. Sua dispersão pelo mundo e, mais que isso, sua inserção nos cursos de Graduação, é algo ainda mais atual. Isso fica evidente quando da análise das Diretrizes Curriculares do curso de Medicina instituídas no ano de 2001, já imbuída dos princípios e ideais políticos trazidos pela criação do SUS, mas que sequer mencionam o termo “gestão”. No início do presente milênio, portanto, a aptidão em tópicos de gerenciamento era até onde ia a exigência na formação do médico, para além dos temas tradicionais[4]. Já nas atuais Diretrizes Curriculares, em vigência desde o ano de 2014, tem-se na Gestão, na Atenção e na Educação o conjunto indissociável das áreas de formação do graduando em Medicina[5]. A partir daí, as competências se multiplicaram, agora direcionadas a desenvolver bastante as habilidades de organização, acompanhamento e avaliação do trabalho em Saúde.
Daí que, quando a sociedade em geral, aqui e ao redor do mundo, é indagada sobre Saúde e sua assistência, leva em consideração uma variedade de temas importantes, todos embebidos em questões morais, culturais, legais e econômicas[6], apenas para mostrar a característica verdadeiramente multidisciplinar da matéria.
Isso tem uma consequência prática bastante interessante: a depender de como e quanto se der a junção de todas essas contribuições, as respostas sobre quem deve receber bens e serviços médicos, quais tipos de bens e serviços médicos devem ser produzidos, quais tratamentos devem ser fornecidos, podem mudar drasticamente.
A título estritamente ilustrativo (e não exaustivo), as ciências biológicas provêm recursos da epidemiologia e da saúde coletiva; das humanas se extraem ensinamentos da bioética, da administração, do direito e da economia; e das exatas importam sobretudo as lições dadas pelo gerenciamento, logística e estatística. Ou seja, a diversidade das disciplinas que informam a Gestão em Saúde pode muito bem criar incontáveis diferentes manuais, isso a depender de quantas disciplinas diferentes se usa e qual parte de cada uma delas é selecionada.
Assim, a Gestão em Saúde deve se valer do máximo de contribuição de todas as grandes áreas, mas convém a ela observar, tanto quanto possível, uma coerência interna.
O ponto de partida que se apresenta como o mais coerente para, a partir dele, soerguer uma disciplina com o máximo de coerência interna deve ser justificado pela análise das diversas contribuições diretas à Saúde. Como se verá, isso pode ser feito a partir das regras que alimentam o sistema.
A Gestão em Saúde, além de matéria relativamente nova, é complexa, sendo que isso pode ser atribuído ao fato de que, como já dito, é marcadamente multidisciplinar (abarcando regras legais, deontológicas, de mercado, etc.). Mas, como tudo que se pretende aprender, um ponto de partida é necessário para o início da jornada. Aqui, esse começo se dará a partir de um conceito abstrato de Gestão em Saúde, relevante em termos de “primeiras noções”. Veja-se que a contribuição etimológica é de baixa intensidade: gestão, em suas raízes, viria da ideia de se fazer ou empreender algo, sendo que o verbo gerir deriva do latim gerire que significava administrar, dirigir, regular[7]. Neste mesmo caminho seguiu o SUS que, em uma de suas normas contributivas de um sistema descentralizado, estabeleceu que o exercício da Gestão seria voltado para as funções de “coordenação, articulação, negociação, planejamento, acompanhamento, controle, avaliação e auditoria[8]”. Aqui, a ideia de algo contrário à improvisação já é bem nítida, com evidente componente de racionalização dos atos[9]. Contudo, por ser matéria voltada para a prática e, mais que isso, construída a partir da experiência, precisa, desde já, considerar as suas principais funções, responsabilidades e competências. É como entendeu a Organização Mundial de Saúde (OMS) a qual, preocupada com os desafios do dia-a-dia, propôs entender a Gestão como “um processo sistemático de uso de recursos via decisões voltadas a alcançar certos objetivos”[10]. Nada mais importante, neste momento, do que concluir que a Gestão em Saúde é indissociável da administração de recursos, de modo que a eficiência (ou não) na obtenção e destinação desses recursos é, certamente, o maior desafio dos gestores. Esse cenário ainda se agrava quando atrai o olhar da bioética, especificamente quanto a princípio da Justiça e sua atenção na distribuição desses recursos em Saúde[11], tema a ser melhor trabalhado em outro momento.
Certamente, o conceito acima convida à análise de dois importantes temas: um primeiro, os objetivos; um segundo, os recursos. Ou seja, seria por meio dos recursos mais variados que a Gestão em Saúde buscaria atingir certas finalidades predeterminadas[12].
[1] FOUCAULT, Michel. O nascimento da clínica. Trad. Roberto Machado. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1977, p. X.
[2] CILLIERS, Louise. The evolution of hospitals from antiquity to the Renaissance. Acta Theologica. Vol. 26, no 2 (2006): Supplementum 7 / Artiles. p. 213. Disponível em https://www.academia.edu/28979570/The_evolution_of_hospitals_from_antiquity_to_the_Renaissance?auto=download&email_work_card=download-paper; acessado aos 12/06/2024.
[3] BUCHBINDER, Sharon B. [et al] Introduction to Healthcare management. 4a ed. Editora Jones & Bartlett Publishers, 2019. p. 12.
[4] BRASIL. 2001. Ministério da Educação e Cultura. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Parecer CNE/CES no 1.133, de 7 de agosto de 2001. institui as Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação em Enfermagem, Medicina e Nutrição. Brasília - DF. Disponível em https://normativasconselhos.mec.gov.br/normativa/view/CNE_pces113301. pdf?query=FAM%C3%8DLIA, acessado aos 14/06/2024.
[5] BRASIL. 2014. Ministério da Educação e Cultura. Conselho Nacional de Educação. Câmara de Educação Superior. Resolução CNE/CES no 3/2014. Diário Oficial da União, Brasília, 23 de junho de 2014 – Seção 1 – pp. 8-11acessado aos 14/06/2024.
[6] SANTERRE, Rexford E; NEUN, Stephen P. Health Economics: Theory, Insights, and Industry Studies. 5a ed. EUA: South-Western, Cengage Learning, 2010, p. 03.
[7] Grande Dicionário Etimológico-Prosódico da Língua Portuguesa, 9º Volume, Editora Lisa S.A., 1988.
[8] BRASIL (1996). Ministério da Saúde. Portaria n.º 2203, de 5 de novembro de 1996. Norma Operacional Básica - NOB 01/1996. Diário Oficial da União, Brasília, DF.
[9] RIVERA, Francisco Javier Uribe; ARTMANN, Elizaberth. Planejamento e Gestão em Saúde: conceitos, história e propostas. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2012, p. 21.
[10] Tradução livre para “(…) a systematic process of using resources with judgement, to achieve objectives.” in WHO. Training manual on management of human resources for health. Section I.
[11] BEAUCHAMP, Tom L; CHILDRESS, James F. Principles of Biomedical Ethics: Eighth Editon. New York: Oxford University Press, 2019, p. 267.
[12] BUCHBINDER, Sharon B. [et al] Introduction to Healthcare management. 4a ed. Editora Jones & Bartlett Publishers, 2019. p. 05.




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